"Deleuze e Guattari definem o Corpo sem Órgãos - CsO, do seguinte modo:
Um CsO é feito de tal maneira que ele só pode ser ocupado, povoado por intensidades. Somente as intensidades passam e circulam. Mas o CsO não é uma cena, um lugar, nem mesmo um suporte onde aconteceria algo. Nada a ver com um fantasma, nada a interpretar. O CsO faz passar intensidades, ele as produz e as distribui num spatium ele mesmo intensivo, não extenso. Ele não é espaço e nem está no espaço, é matéria que ocupará o espaço em tal ou qual grau - grau que corresponde às intensidades produzidas. Ele é a matéria intensa e não formada, não estratificada, a matriz intensiva, a intensidade = 0, mas nada há de negativo neste zero, não existem intensidades negativas nem contrárias. (DELEUZE e GUATTARI.1996:13).
O CsO é uma experimentação inevitável, que põe em contato o corpus e o socius concedendo aos órgãos uma outra função, modificando sua função natural, permitindo ver com a pele ou sentir com os olhos, tal como fizeram em diferentes ocasiões, em suas experimentações literárias, criadores como Artaud, William Burroughs, Carlos Castañeda e Henry Miller. Para Deleuze,
do mesmo modo como o mecânico supõe uma máquina
social, o próprio organismo supõe um corpo sem órgãos,
definido por suas linhas, seus eixos e seus gradientes,
todo um funcionamento maquínico distinto das funções orgânicas
sociais tanto quanto das relações mecânicas. (DELEUZE. 1998.p.122)."
Trecho extraído do artigo: Subjetividade e tecnologia: as novas máquinas produtoras de corpos, Carlos Camargos Mendonça.
Este vídeo surgiu de uma experimentação fotográfica, da relação do movimento do corpo e da câmera. Basicamente, um corpo dançante movia-se enquanto a câmera tremia, movimentava-se pela ação de outro corpo. A partir disso, tentei experimentar com vídeo para ver se funcionava a deformidade do corpo que a fotografia trazia.
Enquanto movimento fotográfico de uma câmera capturando instantes de movimento de um corpo, ele distorce, dilacera-se, desfigura-se, decompõe-se mais que movimento da câmera enquanto captura de imagens não-fixas. Porém, o efeito chegar ficar próxima da fotografia quando há uma movimentação intensa dos dois corpos. O resultado é um corpo que em alguns momentos perde sua forma, ganhando outros contornos que inanimados. Essa experimentação me fez lembrar as obras do pintor anglo-irlandês Francis Bacon. Suas obras nos mostram “uma perspectiva de uma figuração deformativa: seres humanos, animais e objetos inanimados são torcidos, distorcidos, dilacerados, desfigurados, paralisados, decompostos, contraídos. Sempre no paroxismo de suas possibilidades físicas.
Segundo o filósofo francês Gilles Deleuze em sua Lógica da Sensação, o ser pintado por Bacon está sempre na “zona de indiscernibilidade”, é um personagem que transita entre o homem, o animal e o monstro, expondo uma existência dilatada em um tempo indeterminado e coexistindo com o espaço inominável, deixando escapar do abismo de si mesmo sensações agudas e submetendo-se ao voyeurismo dos olhos que suportarem vê-lo. Uma existência sem enredo racional, sem narrativa como a concebemos, sem início, meio ou fim, mas existindo apenas, equilibrando-se no breve momento de existência entre o nascimento e a morte. É um ser cujo corpo sem órgãos esforça-se para escapar de si mesmo pela boca que grita.
O personagem baconeano expande-se, espreme-se, dissolve-se, experimenta intensamente a passagem de uma sensação a outra. É agudo, cortante, espasmódico, extremo. É assim que ele existe. Que existiu antes. Que existirá depois do curto momento em que nos é permitido estar diante de sua existência. O espectador em Carcaça sentada no abismo é um “voyeur, um passante, um que espreita”.”
Referência
DELEUZE, Gilles e GUATTARI, Felix. Mil Platôs III Capitalismo e Esquizofrenia. Rio de Janeiro: Editora 34, 1996.
DELEUZE, Gilles. Conversações. Rio de Janeiro: Editora 34, 1998.
http://arteeculturaucb.blogspot.com.br/2012/10/carcaca-sentada-no-abismo.html
http://bocc.ubi.pt/pag/mendonca-carlos-produtoras-corpos.html
http://bocc.ubi.pt/pag/mendonca-carlos-produtoras-corpos.html