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domingo, 25 de novembro de 2012

um corpo sem órgãos ou um corpo areia


"Deleuze e Guattari definem o Corpo sem Órgãos - CsO, do seguinte modo:

Um CsO é feito de tal maneira que ele só pode ser ocupado, povoado por intensidades. Somente as intensidades passam e circulam. Mas o CsO não é uma cena, um lugar, nem mesmo um suporte onde aconteceria algo. Nada a ver com um fantasma, nada a interpretar. O CsO faz passar intensidades, ele as produz e as distribui num spatium ele mesmo intensivo, não extenso. Ele não é espaço e nem está no espaço, é matéria que ocupará o espaço em tal ou qual grau - grau que corresponde às intensidades produzidas. Ele é a matéria intensa e não formada, não estratificada, a matriz intensiva, a intensidade = 0, mas nada há de negativo neste zero, não existem intensidades negativas nem contrárias. (DELEUZE e GUATTARI.1996:13).

O CsO é uma experimentação inevitável, que põe em contato o corpus e o socius concedendo aos órgãos uma outra função, modificando sua função natural, permitindo ver com a pele ou sentir com os olhos, tal como fizeram em diferentes ocasiões, em suas experimentações literárias, criadores como Artaud, William Burroughs, Carlos Castañeda e Henry Miller. Para Deleuze,

do mesmo modo como o mecânico supõe uma máquina 
social, o próprio organismo supõe um corpo sem órgãos, 
definido por suas linhas, seus eixos e seus gradientes, 
todo um funcionamento maquínico distinto das funções orgânicas 
sociais tanto quanto das relações mecânicas. (DELEUZE. 1998.p.122)."


Este vídeo surgiu de uma experimentação fotográfica, da relação do movimento do corpo e da câmera. Basicamente, um corpo dançante movia-se enquanto a câmera tremia, movimentava-se pela ação de outro corpo. A partir disso, tentei experimentar com vídeo para ver se funcionava a deformidade do corpo que a fotografia trazia.

Enquanto movimento fotográfico de uma câmera capturando instantes de movimento de um corpo, ele distorce, dilacera-se, desfigura-se, decompõe-se mais que movimento da câmera enquanto captura de imagens não-fixas. Porém, o efeito chegar ficar próxima da fotografia quando há uma movimentação intensa dos dois corpos. O resultado é um corpo que em alguns momentos perde sua forma, ganhando outros contornos que inanimados. Essa experimentação me fez lembrar as obras do pintor anglo-irlandês Francis Bacon. Suas obras nos mostram “uma perspectiva de uma figuração deformativa: seres humanos, animais e objetos inanimados são torcidos, distorcidos, dilacerados, desfigurados, paralisados, decompostos, contraídos. Sempre no paroxismo de suas possibilidades físicas.

Segundo o filósofo francês Gilles Deleuze em sua Lógica da Sensação, o ser pintado por Bacon está sempre na “zona de indiscernibilidade”, é um personagem que transita entre o homem, o animal e o monstro, expondo uma existência dilatada em um tempo indeterminado e coexistindo com o espaço inominável, deixando escapar do abismo de si mesmo sensações agudas e submetendo-se ao voyeurismo dos olhos que suportarem vê-lo. Uma existência sem enredo racional, sem narrativa como a concebemos, sem início, meio ou fim, mas existindo apenas, equilibrando-se no breve momento de existência entre o nascimento e a morte. É um ser cujo corpo sem órgãos esforça-se para escapar de si mesmo pela boca que grita.

O personagem baconeano expande-se, espreme-se, dissolve-se, experimenta intensamente a passagem de uma sensação a outra. É agudo, cortante, espasmódico, extremo. É assim que ele existe. Que existiu antes. Que existirá depois do curto momento em que nos é permitido estar diante de sua existência. O espectador em Carcaça sentada no abismo é um “voyeur, um passante, um que espreita”.”

Referência

DELEUZE, Gilles e GUATTARI, Felix. Mil Platôs III Capitalismo e Esquizofrenia. Rio de Janeiro: Editora 34, 1996.
DELEUZE, Gilles. Conversações. Rio de Janeiro: Editora 34, 1998.
http://arteeculturaucb.blogspot.com.br/2012/10/carcaca-sentada-no-abismo.html
http://bocc.ubi.pt/pag/mendonca-carlos-produtoras-corpos.html